
No dia 9 de agosto de 2025, o voo 2283 da Voepass decolou de Cascavel (PR) rumo a Guarulhos (SP), mas jamais chegou ao destino. A aeronave ATR 72-500 caiu em Vinhedo, a cerca de 80 km da capital paulista, matando todos a bordo. Quase um ano depois, surgem detalhes que apontam para uma falha grave nos sistemas de degelo, não registrada oficialmente no diário de bordo antes da decolagem fatal.
O voo partiu com 58 passageiros, além de quatro tripulantes. Entre eles, estavam Nélvio e a professora Gracinda, pais de Eduarda Hubner, que viajavam para assistir a um show de Ney Matogrosso em São Paulo. Também embarcaram o agrônomo Hiáles e sua esposa, Daniela, fisiculturista com duas competições marcadas nos Estados Unidos.
Às 11h49, pouco antes da decolagem, Eduarda recebeu dos pais uma foto dentro do avião, acompanhada da mensagem: “Estamos embarcando agora, se cuidem, está vento frio”. O avião levantou voo às 11h58. Conforme apuração, naquele dia havia um alerta meteorológico para acúmulo intenso de gelo em diferentes altitudes — condição crítica para a operação desse tipo de aeronave.
De acordo com relatos de um ex-comandante de ATR que atuou como copiloto na Voepass, o “Papa Bravo” — apelido do avião, prefixo PS-VPB — tinha problemas recorrentes. “Esse avião não estava adequado para voar em condição de gelo”, afirmou. Ele destacou ainda que o sistema “boot”, responsável por inflar e expulsar o gelo acumulado nas asas, nunca funcionou direito.
Apesar de a tripulação ter acionado o degelo três vezes, a aeronave perdeu sustentação durante uma curva para aproximação de pouso, já com estabilidade comprometida.
Um mecânico da empresa contou que, poucas horas antes da tragédia, o comandante tentou levar o avião a Ribeirão Preto para manutenção. Ainda assim, não formalizou o problema no diário de bordo — segundo o funcionário, havia pressão para não registrar panes que pudessem paralisar a operação.
Em áudio obtido pela reportagem, gravado um mês após o acidente, dois funcionários da manutenção lamentam não ter formalizado a falha detectada. Um deles confessa sentir um “remorso desgraçado”: “Errei, errei de não ter mandado por escrito”, diz ele. O colega orienta: “Printa, manda pro teu celular, guarda isso daí”, chamando o caso de “sujeira”.
Os problemas na Voepass, segundo ex-funcionários, não se limitavam ao “Papa Bravo”. Em 2016, quando ainda se chamava Passaredo, outro ATR pousou por engano numa pastagem em Rondonópolis (MT) e ficou seriamente danificado. Partes dessa aeronave teriam sido reutilizadas em outras, prática descrita como “frequente e mal controlada” por quem trabalhou na empresa.
Outro ponto que revolta familiares das vítimas é que muitos nem sabiam que voariam pela Voepass. As passagens eram vendidas pela Latam, que operava o voo em codeshare, identificando a operação apenas pelo código “2Z” — quase invisível para o passageiro comum. O nome Voepass aparecia discretamente no cartão de embarque.
A Latam informou que informava previamente sobre a empresa operadora e que encerrou o acordo de codeshare por iniciativa própria. Já a Voepass declarou que suas aeronaves estavam em conformidade com padrões internacionais de segurança e que aguarda o resultado da investigação conduzida pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos).
As consequências são devastadoras. Eduarda, que perdeu os pais, diz ter assumido o papel de “mãe” para os irmãos mais novos, de 21 e 12 anos. Ari e Dona Ercília, que perderam o filho e a nora, lamentam que o casal pretendia começar a formar família no mesmo ano.
Para buscar justiça e evitar novas tragédias, parentes das vítimas criaram uma associação. “A gente sabe que avião não cai do nada. Foi uma soma de erros e negligências”, afirma Eduarda. O grupo cobra a divulgação do relatório final do Cenipa e acesso ao áudio da cabine, pois acredita que “ali está a verdade”.
A Voepass só teve as operações definitivamente suspensas em 24 de junho deste ano, quase 11 meses após o acidente. Até hoje, as famílias aguardam respostas sobre o que realmente aconteceu naquele 9 de agosto.

