Um grupo de estudantes do curso técnico em Análises Clínicas do Centro Territorial de Educação Profissional (Cetep) Araci, localizado a cerca de 107 km de Feira de Santana, desenvolveu um projeto que ganhou repercussão nacional ao unir inovação, sustentabilidade e impacto social. Trata-se de luvas biodegradáveis produzidas a partir de fibras de sisal, planta que representa uma das maiores riquezas do semiárido baiano.

A iniciativa, orientada pela professora Pachiele Cabral, surgiu em abril de 2022 como resposta aos problemas causados pelo descarte excessivo de materiais plásticos durante a pandemia de Covid-19, principalmente Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Além de reduzir os danos ambientais, o projeto busca minimizar alergias provocadas pelo uso do látex comum nas luvas hospitalares e laboratoriais, aproveitando o potencial antialérgico e antimicrobiano do sisal, conhecido como “ouro verde”.

Segundo a professora, o projeto vai além da sustentabilidade ao valorizar a cultura local, gerar alternativas de renda e promover saúde. “Estudos mostram que, a cada 10 profissionais da saúde, cerca de seis apresentam algum tipo de alergia ao látex. Nosso produto oferece uma proteção mais segura e saudável, além de reaproveitar um recurso tão importante para a economia regional”, destaca Pachiele.

Com potencial de uso em laboratórios, clínicas e hospitais, principalmente em regiões com dificuldades para descartar resíduos corretamente, as luvas representam uma solução prática, acessível e ecológica.

Tecnologia verde e inovação social

Produzidas com um bioplástico derivado da Agave sisalana, as luvas apresentam características inovadoras: suportam até 160 °C, têm propriedades antialérgicas e antimicrobianas e se decompõem completamente em cerca de três semanas — um contraste marcante em relação às luvas de látex, que podem levar até 400 anos para desaparecer do meio ambiente.

Mais do que um avanço tecnológico, o projeto fortalece a ciência na educação pública e coloca o semiárido baiano como referência na produção de soluções sustentáveis. “Nossa intenção é mostrar que é possível criar tecnologias verdes dentro de uma escola pública e transformar vidas”, reforça a professora.

Histórias transformadas e impacto social

As estudantes Sarah Moura Cruz, 18 anos, e Isabel Silva Oliveira, 19, contam que a ideia nasceu ao observarem a grande quantidade de luvas descartadas no laboratório após o pico da pandemia. Com o sisal disponível em abundância, decidiram estudar suas propriedades.

“Além de contribuir para o meio ambiente, queremos valorizar o trabalhador do sisal, que muitas vezes enfrenta condições muito difíceis. É emocionante poder ressignificar essa história, pois minha mãe trabalhou no motor de sisal quando era criança”, relata Sarah.

Atualmente, o projeto conta com apoio técnico da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), campus Feira de Santana, que auxilia nos testes e na validação científica. O pedido de patente já foi protocolado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), enquadrado como patente verde, o que garante prioridade na análise por promover benefícios ambientais. A professora Pachiele acredita que este pode ser o primeiro pedido de patente feito por uma escola de educação básica, em parceria com uma universidade pública.

Reconhecimento nacional

O trabalho já conquistou importantes prêmios, como três medalhas na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), na USP, considerada a maior feira científica da América Latina. Além disso, venceu a etapa nacional do Prêmio Solve for Tomorrow, da Samsung, e garantiu o primeiro lugar na votação popular, disputando com mais de dois mil projetos de todo o Brasil.

“É muito gratificante saber que conseguimos levar nosso projeto para além da escola, ganhar reconhecimento e ainda abrir portas para nosso futuro acadêmico e profissional”, celebra Isabel.

Próximos passos e desafios

Mesmo com as conquistas, a equipe ainda enfrenta desafios para colocar as luvas no mercado. A ideia é adotar um modelo híbrido, combinando a venda para garantir a sustentabilidade financeira do projeto e a doação para escolas técnicas, postos de saúde e hospitais públicos, especialmente em comunidades mais vulneráveis.

“Queremos mostrar que, mesmo sendo uma escola pública no sertão baiano, podemos inovar, gerar renda e cuidar do meio ambiente e da saúde. Nosso objetivo principal sempre foi o impacto social”, conclui a professora Pachiele.

Agora, a equipe aguarda o deferimento da patente para seguir em busca de investimentos e produzir as luvas em maior escala, mantendo o compromisso de transformar conhecimento em benefício para toda a sociedade.

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